★ Saltos altos

Vi mais uma vez a série que dá todas as quintas-feiras.
Se tinha dúvidas esclareci-as naquele momento, comigo.
As questões dos últimos dias andavam a dar cabo de mim...
As incertezas..
Os receios..
O passado..
Não, isto tinha de parar de uma vez por todas!
As promessas tinham de acabar.
As juras tinham de ter um fim!
Um fim..

Descalcei os all-star, despi os jeans e a t-shirt..
Soltei o cabelo..
Entrei na banheira e demorei horas a sair de lá.
Deixei a água correr por mim, por entro e por fora.
Estava na hora de lavar tudo.
Deixar ir pelo cano abaixo os desgostos, os momentos, as lágrimas, a dor.. e muito mais.
Estava na hora.
Finalmente saí..

Não me olhava ao espelho à dias..
Andava a evitá-lo como se de um pequeno grande monstro se trata-se.
Sempre que me olhava ficava a remoer este ou aquele pormenor..
Comparava-me, com esta ou aquela, e o espelho passava a ser o meu inimigo.
Detestava-o.
Deixava-o encher-se de pó até ficar quase impossível enxergar-me nele.
Afinal, para mim, eu também tinha pó.
Muito pó..
E por isso a imagem era aquela que eu via e não a que queria ver.
Detestável.

Do armário tirei o vestido rosa, curto, que nunca vestia..
Vesti-o.
Os sapatos de salto alto, vistosos, que nunca calçava.
Calcei-os.
O brilho dos meus olhos foi realçado pelo lápis e pelo rimel.
E o bâton rosa forte foi aberto e usado pela primeira vez.

Enfrentei o espelho, mesmo com pó.
E não foi preciso limpa-lo.
Pois agora eu via o que via e o que sempre quis ver.
Estava bonita.
Sim, pela primeira vez, para mim.
Não era o pó do espelho que não me deixava ver.
Era o pó de mim e dos meus olhos que me sujava, para mim mesma.
Mas agora, já não havia pó.

Abri a porta, não sem antes me olhar mais uma vez no espelho, e saí.
Era de noite, mas não importa.
Eu queria sair.
Eu queria sentir a noite e a brisa nos cabelos.
Queria sentir-me eu.
Queria sentir-me bem.
A noite da cidade, destruída, estava linda.
Não se viam as estrelas, mas viam-se as luzes das casas e os carros.
Tudo era perfeito.

Teria sido tudo tempo perdido até hoje?
Não.
Foram ensinamentos, lições.
E hoje sei que nada acontece por acaso.
E hoje sei que se quero, consigo.
E hoje nada me vai deixar cair, novamente.
Eu tenho valor.
Eu sou eu.
Sou única.

Os saltos dos meus sapatos de salto alto fazem barulho nas pedras da calçada.
E eu, eu estou feliz.
Sempre quis usar sapatos de salto alto e sair para a rua.